REVISTA ESPIRITA
JORNAL
DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS
DEZEMBRO 1863
UM CASO
DE POSSESSÃO.
Senhorita
Julie.
Dissemos
que não havia possessos no sentido vulgar da palavra, mas subjugados;
retornamos sobre esta afirmação muito absoluta, porque nos está demonstrado
agora que pode ali haver possessão verdadeira, quer dizer, substituição,
parcial no entanto, de um Espírito errante ao Espírito encarnado. Eis um
primeiro fato que é a prova disto, e que apresenta o fenômeno em toda a sua
simplicidade.
Várias
pessoas achavam-se um dia na casa de uma senhora médium sonâmbula. De repente
esta tomou ares todos masculinos, sua voz mudou, e, dirigindo-se a um dos
assistentes, exclamou: "Ah! meu caro amigo, quanto estou contente de te
ver! "Surpreso, perguntou-se-lhe o que isso significava. A senhora
retomou: "Como! meu caro, tu não me reconheces? Ah! é verdade; estou todo
coberto de lama! Sou Charles Z..."A este nome, os assistentes se lembraram
de um senhor morto, alguns meses antes, atingido de um ataque de apoplexia, na
beira de um caminho; tinha caído num fosso, de onde se tinha retirado seu
corpo, coberto de lama. Ele declara que, querendo conversar com seu antigo
amigo, aproveitou de um momento em que o Espírito da senhora A..., a sonâmbula,
estava afastado de seu corpo, para se colocar em seu lugar. Com efeito, tendo
se renovado esta cena vários dias seguidos, a senhora A... tomava cada vez as
poses e as maneiras habituais do Sr. Charles, virando-se sobre a costa da
poltrona, cruzando as pernas, roçando o bigode, passando os dedos sobre seus
cabelos, de tal sorte que, salvo o vestuário, poder-se-ia crer ter o Sr.
Charles diante de si; no entanto, não havia transfiguração, como vimos em
outras circunstâncias. Eis algumas de suas respostas:
P. Uma vez que tomastes posse do
corpo da senhora A..., poderíeis ali ficar? R. Não, mas isso não é
a boa vontade que me falta.
P. Por que não o podeis? R
Porque seu Espírito está sempre preso ao seu corpo. Ah! se eu pudesse romper
esse laço, pregar-lhe-ia uma peça.
P. Que fez durante esse tempo o
Espírito da senhora A... ?R. Estava lá, ao lado, me olhava e ria de ver-me
nesse vestuário.
Essas
conversas eram muito divertidas; o Sr. Charles fora um alegre vivente, não
desmentia seu caráter; dado à vida material, era pouco avançado como Espírito,
mas naturalmente bom e benevolente. Tomando do corpo da senhora A..., não tinha
nenhuma intenção má; também essa senhora não sofria de nenhum modo dessa
situação, à qual se prestava de boa vontade, É bom dizer que ela não havia
conhecido esse senhor, e não podia estar com efeito em suas maneiras. Há ainda
a anotar que os assistentes nem pensavam nele, a cena não foi provocada, e que
veio espontaneamente.
A
possessão é aqui evidente e ressalta melhor dos detalhes, que seria muito longo
reportar; mas é uma possessão inocente e sem inconveniente. Não ocorre o mesmo
quando ela é o fato de um Espírito mau e mal intencionado; pode então ter
conseqüências tanto mais graves quanto esses Espíritos sejam tenazes, e que se
torna, freqüentemente, muito difícil livrar deles o paciente do qual fazem sua
vítima. Eis disso um exemplo recente, que nós mesmos podemos observar, e que
foi objeto de estudo sério pela Sociedade de Paris.
A
senhorita Julie, doméstica, nascida em Savoie, com a idade de vinte e três
anos, de um caráter muito doce, sem nenhuma espécie de instrução, estava há
algum tempo sujeita a acessos de sonambulismo natural, que duravam semanas
inteiras; nesse estado ela vagava em seu serviço habitual, sem que as pessoas
estranhas desconfiassem disso; seu trabalho mesmo era muito mais cuidadoso. Sua
lucidez era notável; ela descrevia os lugares e os acontecimentos à distância
com uma perfeita exatidão.
Há mais
ou menos seis meses, tornou-se presa de crises de um caráter estranho, que
ocorriam sempre durante o estado sonambúlico, de alguma sorte se tornou o
estado normal. Ela se contorcia, rolava na terra como se debatesse sob a
opressão de alguém que procurava estrangulá-la, e, com efeito, tinha todos os
sintomas da estrangulação; acabava por derrubar esse ser fantástico, tomava-o
pelos cabelos, cobria-o em seguida de golpes, de injúrias e de imprecações,
repreendendo-o sem cessar com o nome de Frédégonde, infame regente,
rainha impudica, vil criatura suja de todos os crimes, etc. Sapeteava como se a
pisasse sob os pés com raiva, lhe arrancasse suas roupas e seus adornos. Coisa
bizarra, se tomava ela mesma por Frédégonde, se dava golpes redobrados sobre os
braços, o peito e o rosto, dizendo: 'Toma! toma! disso tens tu bastante, infame
Frédégonde? Queres me sufocar, mas não alcançarás esse fim; queres te meter em minha
caixa, mas eu saberia bem isso te afastar." Minha caixa era o termo do
qual ela se servia para designar seu corpo. Nada poderia pintar o assento
frenético com o qual ela pronunciava o nome de Frédégonde, rangendo os dentes,
nem as torturas que ela experimentava nesses momentos.
Um dia,
para se desembaraçar de seu adversário, agarrou uma faca e feriu-se a si mesma,
mas se pôde detê-la a tempo para impedir um acidente. Coisa não menos notável,
é que jamais ela não tomou nenhuma das pessoas presentes por Frédégonde; a
dualidade era sempre em si mesma; era contra ela que dirigia seu furor quando o
Espírito estava nela, e contra um ser invisível quando dele estava
desembaraçado; para os outros, ela era doce e benevolente mesmo nos momentos de
sua maior exasperação.
Essas
crises, verdadeiramente terríveis, freqüentemente, duravam algumas horas e se
renovavam várias vezes por dia. Quando ela acabava por derrubar Frédégonde,
caía num estado de prostração e acabrunhamento do qual não saía senão com o
tempo, mas que lhe deixava uma grande fraqueza e um embaraço na palavra. Sua
saúde com isso era profundamente alterada; nada podia comer e ficava às vezes
oito dias sem tomar alimento. Os melhores alimentos tinham para ela um gosto
terrível que a fazia rejeitá-los; era, para ela, a obra de Frédégonde, que queria
impedi-la de comer.
Enviado
por: "Joel Silva"
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