domingo, 7 de janeiro de 2018

Artigo: Abdicação da personalidade

Abdicação da personalidade

Por François C. Liran

     A lei de Amor substitui a personalidade pela fusão dos seres.1
     Paulo de Tarso, o vidente de Damasco, escrevendo aos Gálatas2, chegou a afirmar:
     Já estou crucificado com o Cristo; e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.
     Encontramos João Batista na mesma faixa de sintonia no momento em que assevera3: É necessário que Ele cresça e que eu diminua.
     Emerge dessas assertivas um gesto espontâneo de rendição e submissão Àquele que, segundo os Espíritos, é o nosso Guia e Modelo mais perteito4. É Ele o paradigma da renúncia.
     No mundo tereis aflições5, esclarece o Meigo Zagal Galileu.
     Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. Seu poder cobre a Terra e, por toda a parte,  junto de cada lágrima colocou Ele um bálsamo que consola. A abnegação e o devotamento são uma prece contínua e encerram um ensinamento profundo. A sabedoria humana reside nessas duas palavras. (…) Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõem. O sentimento do dever cumprido vos dá repouso ao Espírito e resignação. O coração bate então melhor, a alma se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos, por isso que o corpo tanto menos forte se sente, quanto mais profundamente golpeado é o Espírito.6
     Certa feita, perguntaram a Jesus:
     Quem é o maior no reino dos céus? – Jesus, chamando a si um menino, o colocou no meio deles e respondeu: Digo-vos, em verdade, que, se não vos convencerdes e tornardes quais crianças, não entrareis no reino dos céus. – Aquele, portanto, que se humilhar e se tornar pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus – e aquele que recebe em meu nome a uma criança, tal como acabo de dizer, é a mim mesmo que recebe.7
     Estas máximas decorrem do princípio de humildade que Jesus não cessa de apresentar como condição essencial da felicidade prometida aos eleitos do Senhor e que formulou assim: Bem-aventurados os pobres de espírito, pois que o reino dos céus lhes pertence. Ele toma uma criança como tipo da simplicidade de coração e diz: Será o maior no reino dos céus aquele que se humilhar e se fizer pequeno como uma criança, isto é, que nenhuma pretensão alimentar à superioridade ou à infalibilidade.
     A mesma ideia fundamental se nos depara nesta outra máxima: Seja vosso servidor aquele que quiser tornar-se maior, e nesta outra: Aquele que se humilhar será exaltado e aquele que se elevar será rebaixado.
     O Espiritismo sanciona pelo exemplo a teoria, mostrando-nos na posição de grandes no mundo dos Espíritos os que eram pequenos na Terra; e bem pequenos, muitas vezes, os que na Terra eram os maiores e os mais poderosos. E que os primeiros, ao morrerem, levaram consigo aquilo que faz a verdadeira grandeza no céu e que não se perde nunca: as virtudes, ao passo que os outros tiveram de deixar aqui o que lhes constituía a grandeza terrena e que não se leva para a outra vida: a riqueza, os títulos, a glória, a nobreza do nascimento. (…)
     O Espiritismo aponta-nos outra aplicação do mesmo princípio nas encarnações sucessivas, mediante as quais os que, numa existência, ocuparam as mais elevadas posições, descem, em existência seguinte, às mais ínfimas condições, desde que os tenham dominado o orgulho e a ambição. Não procureis, pois, na Terra, os primeiros lugares, nem vos colocar acima dos outros, se não quiserdes ser obrigados a descer. Buscai, ao contrário, o lugar mais humilde e mais modesto, porquanto Deus saberá dar-vos um mais elevado no céu, se o merecerdes.8
     Os Espíritos deixam cada indivíduo na sua esfera: do homem apenas apto para lavrar a terra não fazem depositários dos segredos de Deus, mas sabem arrancar da obscuridade aquele que se mostra capaz de secundar-lhes os desígnios. Não vos deixeis, por conseguinte, dominar pela ambição e pela curiosidade, em terreno alheio ao do Espiritismo, que tais fitos não tem, pois com eles só conseguireis as mais ridículas mistificações.9
     Allan Kardec, discursando na Sociedade Espírita de Paris, quando da abertura do sétimo ano social, a 1º de abril de 186410, traçou cristalinamente, concisa e insofismável o rumo e o modus-operandi que seus seguidores devem perlustrar:
     Repetirei aqui o que disse alhures, porque nunca seria demais repetir: A força do Espiritismo não reside na opinião de um homem ou de um Espírito; está na universalidade do ensino dado pelos Espíritos; o controle universal, como o sufrágio universal, resolverá no futuro todas as questões litigiosas; fundará a unidade da doutrina muito melhor que um concílio de homens. Ficai certos, senhores, esse princípio fará o seu caminho, como o Fora da Caridade não há salvação, porque baseado na lógica mais rigorosa, e na abdicação da personalidade. Não contrariará senão os adversários do Espiritismo e aqueles que só têm fé em suas luzes pessoais.
      
    Bibliografia:

1 – KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 126. ed. Brasília: FEB, 2006. cap. XI, item 8.

2 – BÍBLIA, N. T. Gálatas. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Campinas: Os Gideões Internacionais no Brasil, 1988. cap. 2, vers. 20.

3 – Op. cit. João. cap. 3, vers. 30.

4 – KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. 88. ed. Brasília: FEB, 2006. q. 625.

5 – BÍBLIA, N. T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Campinas: Os Gideões Internacionais no Brasil, 1988. cap. 16, vers. 33.

6 – KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 126. ed. Brasília: FEB, 2006. cap. VI, item 8.

7 – BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Campinas: Os Gideões Internacionais no Brasil, 1988. cap. 18, vers. 1 a 5.

8 – KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 126. ed. Brasília: FEB, 2006. cap. VII, item 6.

9 – __________. O céu e o inferno. 44. ed. Brasília: FEB, 1999. 1ª parte, cap. X, item 10.

10 – KARDEC, Allan. Revue Spirite, maio 1864.

 Jornal Mundo Espírita, fevereiro 1989
(Fonte: Jornal Mundo Espírita – FEP)

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