Abdicação da
personalidade
Por François C. Liran
A lei de Amor substitui a personalidade
pela fusão dos seres.1
Paulo de Tarso, o vidente de Damasco,
escrevendo aos Gálatas2, chegou a afirmar:
Já
estou crucificado com o Cristo; e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a
vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou, e
se entregou a si mesmo por mim.
Encontramos João Batista na mesma faixa de
sintonia no momento em que assevera3: É necessário que Ele cresça e que eu
diminua.
Emerge dessas assertivas um gesto
espontâneo de rendição e submissão Àquele que, segundo os Espíritos, é o nosso
Guia e Modelo mais perteito4. É Ele o paradigma da renúncia.
No mundo tereis aflições5, esclarece o
Meigo Zagal Galileu.
Deus consola os humildes e dá força
aos aflitos que lha pedem. Seu poder cobre a Terra e, por toda a
parte, junto de cada lágrima colocou Ele um bálsamo que consola. A
abnegação e o devotamento são uma prece contínua e encerram um ensinamento
profundo. A sabedoria humana reside nessas duas palavras. (…) Tomai, pois, por
divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação, e sereis fortes,
porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõem. O
sentimento do dever cumprido vos dá repouso ao Espírito e resignação. O coração
bate então melhor, a alma se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos,
por isso que o corpo tanto menos forte se sente, quanto mais profundamente
golpeado é o Espírito.6
Certa feita, perguntaram a Jesus:
Quem é o maior no reino dos
céus? – Jesus, chamando a si um menino, o colocou no meio deles e
respondeu: Digo-vos, em verdade, que, se não vos convencerdes e tornardes quais
crianças, não entrareis no reino dos céus. – Aquele, portanto, que se humilhar
e se tornar pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus – e aquele
que recebe em meu nome a uma criança, tal como acabo de dizer, é a mim mesmo
que recebe.7
Estas máximas decorrem do princípio de
humildade que Jesus não cessa de apresentar como condição essencial da
felicidade prometida aos eleitos do Senhor e que formulou
assim: Bem-aventurados os pobres de espírito, pois que o reino dos céus
lhes pertence. Ele toma uma criança como tipo da simplicidade de coração e diz:
Será o maior no reino dos céus aquele que se humilhar e se fizer pequeno como
uma criança, isto é, que nenhuma pretensão alimentar à superioridade ou à
infalibilidade.
A mesma ideia fundamental se nos depara
nesta outra máxima: Seja vosso servidor aquele que quiser tornar-se maior,
e nesta outra: Aquele que se humilhar será exaltado e aquele que se elevar será
rebaixado.
O Espiritismo sanciona pelo exemplo a
teoria, mostrando-nos na posição de grandes no mundo dos Espíritos os que eram
pequenos na Terra; e bem pequenos, muitas vezes, os que na Terra eram os
maiores e os mais poderosos. E que os primeiros, ao morrerem, levaram consigo
aquilo que faz a verdadeira grandeza no céu e que não se perde nunca: as
virtudes, ao passo que os outros tiveram de deixar aqui o que lhes constituía a
grandeza terrena e que não se leva para a outra vida: a riqueza, os títulos, a
glória, a nobreza do nascimento. (…)
O Espiritismo aponta-nos outra aplicação
do mesmo princípio nas encarnações sucessivas, mediante as quais os que, numa
existência, ocuparam as mais elevadas posições, descem, em existência seguinte,
às mais ínfimas condições, desde que os tenham dominado o orgulho e a ambição.
Não procureis, pois, na Terra, os primeiros lugares, nem vos colocar acima dos
outros, se não quiserdes ser obrigados a descer. Buscai, ao contrário, o lugar
mais humilde e mais modesto, porquanto Deus saberá dar-vos um mais elevado no
céu, se o merecerdes.8
Os Espíritos deixam cada indivíduo na sua
esfera: do homem apenas apto para lavrar a terra não fazem depositários dos
segredos de Deus, mas sabem arrancar da obscuridade aquele que se
mostra capaz de secundar-lhes os desígnios. Não vos deixeis, por conseguinte,
dominar pela ambição e pela curiosidade, em terreno alheio ao do Espiritismo,
que tais fitos não tem, pois com eles só conseguireis as mais ridículas
mistificações.9
Allan Kardec, discursando na Sociedade
Espírita de Paris, quando da abertura do sétimo ano social, a 1º de abril de
186410, traçou cristalinamente, concisa e insofismável o rumo e
o modus-operandi que seus seguidores devem perlustrar:
Repetirei aqui o que disse alhures, porque
nunca seria demais repetir: A força do Espiritismo não reside na opinião de um
homem ou de um Espírito; está na universalidade do ensino dado pelos Espíritos;
o controle universal, como o sufrágio universal, resolverá no futuro todas
as questões litigiosas; fundará a unidade da doutrina muito melhor que um
concílio de homens. Ficai certos, senhores, esse princípio fará o seu caminho,
como o Fora da Caridade não há salvação, porque baseado na lógica mais
rigorosa, e na abdicação da personalidade. Não contrariará senão os adversários
do Espiritismo e aqueles que só têm fé em suas luzes pessoais.
Bibliografia:
1 –
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 126. ed. Brasília: FEB, 2006.
cap. XI, item 8.
2 –
BÍBLIA, N. T. Gálatas. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira
de Almeida. Campinas: Os Gideões Internacionais no Brasil, 1988. cap. 2, vers.
20.
3 –
Op. cit. João. cap. 3, vers. 30.
4 –
KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. 88. ed. Brasília: FEB, 2006. q. 625.
5 –
BÍBLIA, N. T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de
Almeida. Campinas: Os Gideões Internacionais no Brasil, 1988. cap. 16, vers.
33.
6 –
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 126. ed. Brasília: FEB, 2006.
cap. VI, item 8.
7 –
BÍBLIA, N. T. Mateus. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira
de Almeida. Campinas: Os Gideões Internacionais no Brasil, 1988. cap. 18, vers.
1 a 5.
8 –
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 126. ed. Brasília: FEB, 2006.
cap. VII, item 6.
9 –
__________. O céu e o inferno. 44. ed. Brasília: FEB, 1999. 1ª parte, cap. X,
item 10.
10
– KARDEC, Allan. Revue Spirite, maio 1864.
Jornal Mundo
Espírita, fevereiro 1989
(Fonte: Jornal Mundo Espírita – FEP)
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