segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

REVISTA ESPIRITA - outubro/1863 - REAÇÃO DAS IDEIAS ESPIRITUALISTAS.

REVISTA ESPIRITA
JORNAL DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS
OUTUBRO 1863

REAÇÃO DAS IDEIAS ESPIRITUALISTAS.

Há um século a sociedade era trabalhada pelas idéias materialistas, reproduzidas sob todas as formas, traduzindo-se na maioria das obras literárias artísticas; a incredulidade era moda, era do bom tom ostentar a negação de tudo, mesmo de Deus. A vida presente, eis o positivo; fora disso tudo é quimera e incerteza; vivamos, pois, o melhor possível, e depois advenha o que advier. Tal era o raciocínio de todos aqueles que pretendiam estar acima dos preconceitos, e se chamavam por essa razão espíritos fortes; era, é preciso nisso convir, o de maior número, daqueles mesmos que davam o movimento à sociedade e estavam encarregados de conduzi-la, e cujo exemplo devia, necessariamente, ter uma grande influência. O próprio clero sofria essa influência; a conduta privada ou pública de muitos de seus membros, em completo desacordo com seus ensinos e os do Cristo, provava que não acreditavam naquilo que pregavam, uma vez que, se acreditassem firmemente na vida futura e nos castigos, teriam negligenciado menos os interesses do céu pelos da Terra.
Tinham-se, pois, procurado todas as bases das instituições humanas na ordem das coisas materiais; no entanto, acabou-se por reconhecer que faltava, a essas instituições, um ponto de apoio sólido, desde que aqueles, que pareciam melhor assentados, desmoronavam em um dia de tempestade; que as leis repressivas mascaravam os vícios, mas não tornavam os homens melhores. Qual era esse ponto de apoio? Aí está a questão; mas procurava-se, e alguns acabaram por acreditar que Deus poderia bem estar, por alguma coisa, no Universo. Depois alguns espíritos fortes começaram a ter medo, por não mais rirem do futuro senão de lábios, dizendo a si mesmos: Pretende-se que tudo acaba com a morte; mas que disso sabem, em definitivo, aqueles que o afirmam? isso não é, além do mais, senão a sua opinião. Antes de Cristóvão Colombo acreditava-se também que não havia nada além do Oceano; se, pois, houvesse alguma coisa além do túmulo? no entanto, seria interessante sabê-lo; porque, se há alguma coisa, é preciso que todos nós a passemos, uma vez que todos nós morreremos? Como se está ali? está-se bem? está-se mal? A questão é importante, e a ser considerada. Mas se nós sobrevivemos, isso não é nosso corpo seguramente; temos, pois, uma alma? A alma não seria, pois, uma quimera? Então essa alma, como é ela? de onde vem? para onde vai?
Daí uma vaga inquietação se apoderou dos mais fanfarrões em presença da morte; estavam pronto a procurar, a discutir; depois, reconhecendo que, o que quer que fosse, não se estava jamais completamente bem sobre a Terra, que nela se estava às vezes muito mal, lançavam seus objetivos e esperanças sobre o futuro. Todas as coisas extremas têm sua reação, quando não estão na verdade; só a verdade é imutável. As idéias materialistas tinham chegado ao seu apogeu; então, percebeu-se que elas não davam o que delas se esperava; e deixavam o vazio no coração; que abriam um abismo insondável, do qual se recuava com pavor, como diante de um precipício; daí uma aspiração para o desconhecido, e, consequentemente, uma reação inevitável para as idéias espiritualistas, como única saída possível.
É essa reação que se manifesta há alguns anos; mas o homem chegou a um dos pontos culminantes da inteligência; ora, nessa idade em que a faculdade de compreender é adulta, não pode mais ser conduzido como na infância ou na adolescência. O positivismo da vida ensinou-o a procurar, dizemos nós, tornou-lhe necessário o por quê e o como de cada coisa, uma vez que, no nosso século matemático, se tem necessidade de se dar conta de tudo, de tudo calcular, de tudo medir, para saber onde se põe o pé. Quer-se a certeza, senão material, pelo menos moral, até na abstração; não basta dizer que uma coisa é boa ou má, se quer saber por que ela é boa ou má, e se há razão ou não de prescrevê-la ou proibi-la; eis porque a fé cega não tem mais curso em nosso século racional. Pede-se mais que ter a fé, se a deseja, dela se tem sede hoje, porque é uma necessidade; mas se quer uma fé raciocinada. Discutir sua crença é uma necessidade da época, à qual é preciso, de bom grado ou malgrado, se resignar.
As idéias espiritualistas respondem bem às aspirações gerais, são preferidas ao ceticismo e à idéia do nada, uma vez que se sabe, instintivamente, que elas estão na verdade, mas não satisfazem senão imperfeitamente, porque deixam ainda a alma no vago, e que sozinhas são impotentes para darem a solução de uma multidão de problemas. Ó simples Espiritualista está na posição de um homem que percebe o objetivo, mas que não sabe ainda por qual caminho para a ele chegar, e que encontra escolhos sobre seus passos. Eis por que, nestes últimos tempos, um tão grande número de escritores e de filósofos trataram de sondar esses misteriosos arcanos, porque tantos sistemas foram criados tendo em vista resolver as inumeráveis questões permanecidas insolúveis. Que esses sistemas sejam racionais ou absurdos, nisso não testemunham menos as tendências espiritualistas da época, tendências das quais não se faz mais mistério, que não se procura esconder, da qual se faz glória, ao contrário, como outrora se glorificava de sua incredulidade. Se todos esses sistemas não chegaram à verdade completa, é incontestável que vários dela se aproximaram ou a roçaram, e que a discussão que dela foi a conseqüência, preparou o caminho dispondo os espíritos a essa espécie de estudo.
Foi nessas circunstâncias, eminentemente favoráveis, que chegou o Espiritismo; mais tarde, foi chocar-se contra o materialismo todo-poderoso; num tempo mais recuado, teria sido abafado pelo fanatismo cego. Apresenta-se no momento em que o fanatismo, morto pela incredulidade que ele mesmo provocou, não lhe pode opor mais barreira séria, e onde está fatigado pelo vazio deixado pelo materialismo; num momento em que a reação espiritualista, provocada pelos próprios excessos do materialismo, se apoderou de todos os espíritos, onde se está à procura das grandes soluções que interessam ao futuro da Humanidade. Foi, pois, nesse momento, que veio resolver esses problemas, não por hipóteses, mas por provas efetivas, dando ao Espiritualismo o caráter positivo único que convém à nossa época. Nele se acha o que se procura, e o que não se encontrou em outra parte: eis porque é aceito facilmente. Milhares de órgãos traçaram-lhe, e lhe traçam ainda, o caminho, semeando parte por parte as idéias que professa; não é preciso crer que não haja, nesse caso, senão as obras sérias, lidas por um pequeno número de eruditos! Notai quanto, sob uma forma leve, a do romance ou do folhetim, os pensamentos espíritas são abundantes neste momento: por aí eles penetram por toda a parte, mesmo entre aqueles que menos pensam neles; são tantos germes latentes que eclodirão quando a grande luz lhes tiver vindo, porque estarão familiarizados com as idéias novas.
Um dos princípios mais importantes do Espiritismo, sem contradita, é o da pluralidade das existências corpóreas, quer dizer, da reencarnação, que os céticos confundem, voluntariamente ou por ignorância, com o dogma da metempsicose. Sem esse princípio choca-se com tantas dificuldades insolúveis, na ordem moral e fisiológica, que muitos filósofos modernos foram conduzidos a ele pela força do raciocínio, como a uma lei necessária da Natureza; tais são Charles Fourier, Jean Reynaud, e muitos outros. Este princípio, discutido hoje abertamente por homens de um grande valor, sem serem por isso Espíritas, tem uma tendência manifesta a se introduzir na filosofia moderna; uma vez de posse dessa chave, ele verá abrirem-se diante dela horizontes novos e as dificuldades, as mais difíceis, se aplainarem como por encanto; ora, ela não pode deixar de chegar aí; a isso será conduzida pela força das coisas, porque a pluralidade das existências não é um sistema, mas uma lei da Natureza, que ressalta da evidência dos fatos.
Sem sertão nitidamente formulado como em Fourier e Reynaud, nem erigido em doutrina, o princípio da pluralidade das existências se encontra agora numa multidão de escritores, e daí em todas as bocas; de sorte que se pode dizer que está na ordem do dia, e tende a tomar lugar entre as crenças vulgares, embora, em muitos, preceda o conhecimento do Espiritismo; é uma conseqüência natural da reação espiritualista que se opera neste momento, e à qual o Espiritismo vem dar um poderoso impulso. Para as citações, não teríamos senão o embaraço da escolha, nos limitamos à passagem seguinte de um dos últimos romances da senhora George Sand: Mademoiselle de La Quintinie; obra filosófica notável, colocada no índex pela corte de Roma, assim como a Revista dos Dois Mundos, que a publicou em seus números de 1e 15 de março, abril e maio de 1863. Nesta passagem, trata-se de um padre muito culpado, levado ao arrependimento, à reparação e à expiação terrestres pelos severos conselhos de um laico que lhe disse, entre outras coisas, isto:
"Passastes a idade das paixões, dizeis!... Não, porque entrais na das vinganças e das perseguições. Guardai-vos disso! Qualquer que seja, no entanto, a vossa sorte entre nós, vereis clarear um dia além do túmulo, e como não creio mais nos castigos sem fim, quanto nas provas sem frutos, vos anuncio que nos reencontraremos em alguma parte onde nos entenderemos melhor em lugar de nos combatermos; mas, não mais do que vós, não creio na impunidade do mal e na eficácia do erro. Creio que expiareis o endurecimento voluntário de vosso coração por grandes dilaceramentos de coração em alguma outra existência. Não teríeis, no entanto, senão que reentrar no caminho direto da felicidade progressiva, porque estou certo de que se pode tudo resgatar desde esta vida. A alma humana está dotada de magníficos poderes de arrependimento e de reabilitação. Isto não é contrário aos vossos dogmas, e vossa palavra de contrição disse muito."
Num próximo artigo examinaremos a obra do Sr. Renan sobre a vida de Jesus, e mostraremos que, apesar das aparências e com o desconhecimento do autor, é ainda um produto da reação espiritualista. O materialismo inutilmente proclama o nada, sacode em vão o círculo da lógica e da consciência universal que a encerra, seus últimos gritos são abafados pela voz que lhe grita dos quatro cantos do Mundo: "Temos uma alma imortal!" Mas em proveito de quem será a reação? É o que um futuro, que não está longe, nos ensinará.
À espera de que falemos da obra do Sr. Renan, recomendamos com instância aos nossos leitores uma pequena brochura, onde a questão nos parece encarada de um ponto de vista muito racional, e que contém observações muito judiciosas sobre essa delicada questão. É intitulada: Reflexões de um ortodoxo da Igreja grega sobre a Vida de Jesus, pelo Sr. Renan. (Casa dos Srs. Didier e Cia. Preço, 50 cent.)
 Enviado por: "Joel Silva" 

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