Livro em
estudo: Nos Bastidores da Obsessão – Editora FEB - 1970
Autor: Espírito
Manoel Philomeno de Miranda, psicografia de Divaldo Pereira Franco
A039 – Cap. 16
– Compromissos redentores – Primeira Parte
16
Compromissos
redentores
As atividades absorviam-nos e o
tempo transcorria generoso, ensejando-nos o aproveitamento das suas lições,
gemas que incorporávamos ao patrimônio imorredouro do espírito.
A família Soares organizara singela
recepção para a tarde de domingo, quando Adalberto, jubiloso com o aniversário
de Mariana, assumiria o compromisso do noivado, pedindo à sua mão ao Sr. Mateus:
Era natural, portanto, que nos
reuníssemos naquele lar, participando das justas alegrias que chegavam como
resposta divina às dores terrenas.
O genitor da família, após cinco
meses de repouso e assistência médica no lar, recuperava-se maravilhosamente.
Já se conseguia pôr de pé, auxiliado pelas filhas e apoiado a uma bengala, com
perspectivas de refazimento próximo. O reequilíbrio orgânico, no entanto, era
de pouca significação, em se considerando as modificações reais, operadas no
seu íntimo.
Se o seu passado era assinalado por
descaso e desconsideração aos deveres, justo é se lhe reconheça o esforço para
demonstrar o arrependimento que o afligia.
Tornara-se meigo e tratava os
familiares com o necessário afeto. Lamentava a perda de tempo e a idade já avançada,
que lhe não permitiria refazer os caminhos percorridos para a reabilitação. O
Evangelho, em lhe penetrando o espírito, rasgara visões esplendorosas de luz e
vida. Emocionava-se, quando em palestras íntimas se reportava às consolações
que tão tardiamente conseguira aceitar. Embora desconhecesse outros informes
mais elucidativos dos dramas que abalaram os alicerces do seu lar, encontrara
na reencarnação resposta às angústias e rebeldias íntimas, que tanto o
atormentaram a vida inteira. Dizia-se dominado durante quase todos os anos de
vida, por ódio surdo, que, semelhante a instrumento de percussão, reboava
interiormente, despedaçando-o inexorável... Todavia, o tempo lhe ensejava
recomposição íntima, melhor visão das coisas e dos acontecimentos, sentindo-se
em preparativos para a partida. Já não receava a desencarnação. O conhecimento
do Espiritismo lhe matara o temor da morte.
Por sua vez Adalberto, que procedia
do interior do Estado e residia em Casa de Pensão, sem o arrimo de uma fé
segura e nobre, deixava-se conduzir por uma vida de frivolidades comuns aos da
sua idade, passou também a se transformar interiormente, fascinado imensamente
pelo conhecimento da Doutrina dos Espíritos.
O moço, que já armazenara suficiente
depósito de prazeres nas experiências da leviandade, era ardente e apaixonado.
Embora não fosse portador de cultura, era esclarecido e possuidor de lúcido
tirocínio intelectual. Passou a estudar a Codificação Kardequiana, e, depois,
os romances mediúnicos lhe tomaram os sentimentos. A lógica da reencarnação e a
programação dos destinos, obedecendo a um roteiro adrede traçado, com as
naturais concessões ao livre arbítrio de cada um, era para ele especial tema de
conversações. Compreendendo as responsabilidades da vida, apressou-se em abandonar
os velhos hábitos, e, ante os infortúnios, que se transformaram em bênçãos no
lar dos Soares, aproximou-se da família desde a enfermidade de Mariana, e
fez-se quase o filho do sexo masculino que faltava naquele domicílio. Suas mãos
e braços vigorosos se tornaram inúmeras vezes no socorro eficiente ao velho
doente, e sua presteza e generosidade foram alavancas de salvação por ocasião
dos diversos acontecimentos...
Acreditando-se necessitado de
construir o próprio lar, resolvera consorciar-se com Mariana, a quem se
encontrava fortemente vinculado pelo amor. O décimo sétimo natalício da moça
era ocasião oportuna para o compromisso oficial do noivado, que deveria
culminar com o matrimônio, logo estivessem em condições de fazê-lo.
Assim, a modesta e honrada família
convidou os poucos amigos para o ato oficial, que estava sendo a razão da
alegria de todos, desde os dias anteriores.
Fomos Petitinga, Morais e nós,
encontrando a família Soares com alguns poucos convidados, e mais Adalberto e o
seu genitor que viera para a ocasião.
Após o pedido feito pelo seu ao pai
de Mariana, foram apresentadas as alianças representativas do compromisso e
servido singelo e bem cuidado lanche.
Os sorrisos falavam das emoções
daquele entardecer. Marta e Mariana, Dona Rosa e as demais filhas pareciam
crianças gárrulas, esfuziantes. O Sr. Mateus, bastante feliz, tinha, porém, o
semblante velado por discreta tristeza. Era por se recordar do passado e se
sentir impossibilitado de reconstruí-lo.
Por nossa vez, lembrava-me dos
acontecimentos que ali tiveram palco e considerava a misericórdia de Deus, nas
suas sutilezas e sabedoria infinita, que nos escapa e que não podemos de pronto
compreender. O milagre da dor produzira a bênção da misericórdia da união de
todos.
Adalberto, que se encontrava muito
emocionado, traçando planos para o futuro, considerou a sua posição de espírita
e perguntou a Petitinga qual a solenidade religiosa que deveria haver por
ocasião do seu consórcio com Mariana. Compreendia que não seria lícito
submeter-se a um ato sacramental da Igreja Romana, tendo em vista o
comportamento dos profitentes daquela fé, que se situava muito distante dos
ensinos e práticas do vero Cristianismo. Não seria justo, porém, que houvesse
no Espiritismo uma cerimônia qualquer, lavrada nas lições evangélicas, para
comemorar os grandes acontecimentos da vida? — inquiriu, interessado.
Petitinga, prudente e lúcido, sorriu
e esclareceu:
— Foi por adotar as práticas do
Paganismo em crepúsculo que o Cristianismo nascente sofreu as adulterações que
redundaram na sua paulatina extinção. Nas práticas externas e no culto luxuoso
da atualidade, que encontramos das lições vivas e puras do Cristo? Onde e
quando vimos Jesus praticando atos que tais? Muitos se referem à cena do
batismo do Senhor, por João, como sendo aceitação tácita e concorde de um
culto. Não foi isso, todavia, o que ocorreu. Deixando-se identificar pelos
sinais das profecias e pelos ditos» antigos que caracterizariam o Messias, o
Enviado, Ele se permitiu receber de João, diante de todos, aquele ato, para que
se soubesse ser Elle o Esperado, fenômeno confirmado pelo que todos ouviram,
naquele momento em que clamava uma voz: “Este é o meu Filho dileto, em quem me
agrado”, conforme anotaram os Evangelistas e que João acrescenta: “Ele é o Filho
de Deus”, definindo-O como o Messias... Nunca, porém, batizou. Em toda a Sua
vida não O vemos em conivência com os que se nutrem da ignorância e se permitem
o abuso da fé a benefício próprio.
Delicado e sóbrio, fez breve
silêncio, no qual os seus olhos claros se iluminaram, e logo prosseguiu:
— O Espiritismo é a Doutrina de
Jesus, em Espírito e verdade, sem fórmulas nem ritos, sem aparências nem
representantes, sem ministros. É a religião do amor e da verdade, na qual cada
um é responsável pelos próprios atos, respondendo por eles, conforme o
conhecimento que tenha da Imortalidade, dos deveres. «É a religião da
Filosofia, a Filosofia da Ciência e a Ciência da Religião, conforme predicou
Vianna de Carvalho em nossa Casa, com justas razões. Não se firma em enunciados
estranhos à Boa Nova e tudo quanto os Espíritos informaram ao Missionário Allan
Kardec se encontra fundamentado nos Evangelhos. Alguns adversários gratuitos
dizem que os Espíritos nada trouxeram de novo. E me permito indagar, repetindo
o filósofo antigo: (Que há de novo sob o Sol? Novidade é também sinal de
leviandade. O que nos parece novo é atualização do que acontecia e ignorávamos.
«Os Espíritos sempre se comunicaram
e falaram dos renascimentos, das Leis de Causa e Efeito, conhecidas desde remotíssimas
civilizações, sob a designação sânscrita de Carma. Em todos os tempos
encontramos os chamados “mortos” falando aos chamados “vivos”... O que os
sábios conseguiram nestes tempos foi constatar a legitimidade da existência
post-mortem e comprovarem a preexistência do Espírito, antes do corpo, com a
consequente sobrevivência após a morte do corpo. Allan Kardec, o Enviado para
os tempos modernos, teve o incomparável mérito de codificar os ensinos
esparsos, dando-lhes uma ordem filosófica, extraindo o significado moral e
eterno das lições contínuas dos Imortais. Dotado de raras faculdades de
inteligência e razão, acolitado por Legião de Benfeitores e por eles fortemente
inspirado, propõe questões do conhecimento, indagou sobre assuntos não
devidamente esclarecidos até então. Não há, porém, em toda a Codificação um só
item que se não alicerce nos ensinos do Cristo, ora confirmados universalmente
pelos Espíritos. O próprio Mestre, na sua assertiva da promessa do Consolador,
informou claro e conciso que o Paracleto diria muito mais do que Ele dissera.
E dando melhor ênfase aos ensinos,
concluiu:
— Não, não há qualquer culto externo
no Espiritismo e se houvera teríamos a sua morte anunciada já para breve. Sendo
Doutrina dos Espíritos, revive o Cristianismo, repitamos: em espírito e
verdade!
— E não poderíamos — retornou
interessado, Adalberto — formular uma oração de ação de graças em momentos que
tais?
— Sim, orar, podemos fazê-lo, porém,
na intimidade dos corações, no silêncio do quarto. Uma oração pública requer
sempre alguém mais bem adestrado, de verbo fácil e inspirado. Assim, iremos
transferindo para outrem o que nos cabe fazer. E como orar é banhar-se de luz e
penetrar-se de paz, pela decorrente comunhão com o Alto, devemos fazê-lo, nós
mesmos, cada um, em particular. Que os compromissados o façam, está muito bem;
que os nubentes o realizem, na intimidade da alcova, é de necessidade; que os
aniversariantes o produzam, no altar da alma, é muito justo. Mas evitemos hoje
que a nossa emoção e a nossa festividade sejam transformadas amanhã num culto
exterior, que tenhamos começado... Cada um de nós, aqui presente, deve estar em
oração silenciosa de bons pensamentos, em atitude de prece pela sobriedade dos
atos, mediante o respeito moral e fraternal que nos devemos todos uns aos
outros... O Espiritismo é a religião que religa, permitam-nos a redundância, a
criatura ao Criador, interiormente... Que tenhamos mais atitudes do que
palavras!...
A frase final enunciada com um toque
de bom-humor a todos nos fez sorrir, terminando, assim, a maravilhosa aula que
o noivo conseguira motivar.
QUESTÕES
PARA ESTUDO
1
– Com base no que comenta Petitinga, qual a visão espírita a respeito do
batismo, a que Jesus se sujeitou no início de sua missão evangélica?
2
– Qual o papel do Espiritismo no contexto de ser uma nova revelação espiritual?
3
– Segundo Petitinga, qual a posição da outra frente a celebração do casamento
entre os espíritas? E qual a sua opinião?
Bom
estudo a todos!
Equipe
Manoel Philomeno
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