Livro em estudo: Grilhões Partidos – Editora LEAL - 1974
Autor: Espírito Manoel Philomeno de Miranda, psicografia
de Divaldo Pereira Franco
B012 – Capítulo 8 – Intervenção Superior, Segunda Parte
Capítulo 8
Intervenção Superior
A vivenda suntuosa demorava-se
cercada de árvores, recuada da rua. Em dois pisos, era agradável na arquitetura
e na decoração.
Recebidos com carinho, foram
introduzidos, incontinente, na sala ampla e confortável.
— Desejo ter o prazer de apresentar-lhe
o amigo Joel — disse o anfitrião.
— Ë também militar, estando no posto de
Tenente Coronel. Você o conhece...
— Sim, — concordou o apresentado, —
tive a honra de servir com o Coronel, na Itália...
— Lembro-me de alguma forma — assentiu.
Não pôde, porém, ocultar o enfado que
o surpreendeu, face ao imprevisto constrangimento que aquela comparência
colocaria na conversação que esperava manter.
— Convidei-o especialmente para esta
noite. — Aduziu o colega.
— Somos amigos e, como eu aguardasse
você com acendrado interesse, pensei no bem que a presença do nosso
Tenente-Coronel poderia dispensarmos a todos.
— Sim, sem dúvida. — Quase resmungou.
O semblante fez-se-lhe sombrio, ante
o receio de que o tema sobre a filha e sua enfermidade passasse à participação
de estranhos. Esforçou-se para manter-se delicado e a palestra se generalizou,
sem maior importância.
A refeição simples e saborosa
transcorreu agradável, O Tenente-Coronel era viúvo há poucos meses, embora
mantivesse o semblante jovial, desanuviado. Jovem de 40 anos, era de compleição
bem proporcionada, destacando-se nele as marcas do atleta, possuidor de olhos
brilhantes que fulguravam na face dando-lhe máscula beleza. Tran qüilo, sua voz
agradava, sem afetação e pelo comedimento de que se fazia possuidor.
Concluído o jantar, a senhora
Mercedes convidou os visitantes à varanda confortável onde seria servido o
café.
Descontraídos, a conversa girou por
assuntos de somenos importância.
Soprava uma aragem fresca, levemente
perfumada provinda do jardim, adentrando-se em ondas contínuas, suaves.
— Alguma nova sobre Ester? — Indagou o
Coronel Sobreira. —Desde o nosso reencontro tenho-a na mente e na oração. A
falta de convivência entre nós, por circunstâncias superiores, não me facultou
informá-lo de que hoje, ou melhor, há já alguns anos sou homem de fé. As
experiências concederam-me ampla visão do mundo, além da esfera física,
levando-me a entesourar valores extraordinários com que se harmonizou o meu
ser, antes em duradoura agonia.
À sua semelhança conheci de perto a
aduana que descamba ná loucura e não fosse a Misericórdia Divina teria
sucumbido. Mercedes e eu provamos o pão ázimo do sofrimento, preparado com as
lágrimas salgadas do desconforto...
Fez uma pausa, ensejando-se melhor
coordenação de idéias e, simultaneamente, observou as reações dos ouvintes, O
matrimônio Santamaria chorava discretamente. A senhora Mercedes, gentil,
acarinhava a amiga, vergada ao peso do martírio.
De imediato prosseguiu o narrador:
— Vocês ignoram que o nosso filho
Giórgio, há quatro anos atrás foi vítima de sórdida obsessão, tendo sido, face
à minha ignorância, então, internado para penoso tratamento... Inesperadamente,
ele que era jovial e transudava alegria de viver, tornou-se arredio,
amargurado, sombrio. Tentamos arrancá-lo do mutismo a que se entregara, usando
todas as possibilidades, sem qualquer resultado. Noivo, abandonou Lucília, sem
explicações, e, freqüentando o período da conclusão do curso de Direito, deixou
os estudos. Parecia temer o contato, a presença de outras pessoas... Retraiu-se
a tal ponto que os necessários tratos de alimentação e higiene passaram a ser
negligenciados para nosso desgosto superlativo...
“Foi nesse comemos que o dr. Ernesto
Vialle, seu psiquiatra, sugeriu-nos interná-lo, a fim de que fosse submetido a
rigorosa assistência especializada. “Vocês imaginam a nossa indescritível
desolação. Submetemo-nos à adaga do sofrimento que nos decepava esperanças e
sorrisos. Estávamos a sucumbir, quando o nosso Joel visitou-nos, e face ao
nosso abatimento, informado das razões, prontificou-se ajudar-nos... Ouvindo-o,
ante as alvíssaras que surgiam, renovamo-nos, dando início a nova vida, de que
resultou o retorno da alegria a esta casa, transformada, então, em túmulo que
sepultava angústias acerbas.. Por isso, convidamo-lo a estar conosco nesta
noite, quando os recebemos com imenso carinho: Margarida e você.”
Tinha os olhos brilhantes pelas
lágrimas.
— É psiquiatra, o nosso
Tenente-Coronel? — interrogou o genitor de Ester, interessado.
— Não, não é psiquiatra — elucidou o
anfitrião. — É um homem dotado de “sexto sentido”, de mediunidade.
Talvez pressentindo o rumo do
esclarecimento, interpôs-se o Coronel Santamaria:
— Desculpe-me, no entanto, a minha
ignorância é tal sobre essas questões, que me reservo a descrença, a entranhada
antipatia a essas coisas..
- Ouça-me sem prevenção —
interrompeu-o o amigo jovialmente. — Não se trata de “coisas”. A mediunidade é
faculdade para-normal relevante, objeto de estudos nos Centros de maior
cultura, atualmente, no globo. Investir contra, por preconceito, é arrematada
idiotia, disfarçada em presunção.
“Vocês nos conhecem demasiado para
terem uma opinião sobre o nosso caráter moral. Homem austero que sempre fui,
indiferente e frio às manifestações místicas de qualquer procedência, temperado
nos mesmos fornos em que você enrijou as fibras da dignidade, não me foi fácil
mudar conceitos, opiniões, estruturas de fé. Religioso por hábito social, não
possuía religiosidade de fato que me confortasse interiormente. Crer por acomodação,
transformara-se em descrer por convicção.”
— Mas, — interferiu, contrafeito, —
mediunidade não é algo que se vincula à necromancia, Espiritismo, candomblé?.
- Sem dúvida, — respondeu, sem perder
a delicadeza — como a inteligência que está presente nos ideais libertadores,
também se manifesta nos lúridos conciliábulos dos campos de concentração.
A mediunidade é, digamos, uma via de
acesso. Por ela transitam os que viveram na Terra consoante as concessões de
quem a governa.
— Todavia — voltou a interromper — os
“que viveram na Terra”, estão mortos, aniquilados... E essas práticas de
Espiritismo são-me detestáveis.
— Equívoco de sua parte, meu amigo.
Também eu assim pensava. A realidade é bem outra.
— Por favor, Constâncio — interveio a
esposa. — Ouçamos sem prevenção. Você crê que Epaminondas se permitiria crença
ou atitude que lhe desabonasse a dignidade?
A pergunta oportuna, soou como uma
reprimenda.
O ar saturava-se de vibrações
superiores, magnetizado por Espíritos Felizes que se faziam inspiradores e condutores
daquele encontro relevante.
Agradecendo a referência nobre que
lhe fizera a dama, o Coronel Epaminondas justificou:
- Bem sei que tudo isto lhes parece
estranho. Não poderia ser de outra forma. Conosco ocorreu o mesmo. Somos seres
atrasados, fundamente marcados pela vaidade a que nos aferramos,
supervalorizando-nos e, em conseqüência, tombando vítimados pela própria
imprevidência.
“O Espiritismo, que a intolerância dos
clérigos e cientistas do passado, muito ciosos da própria prosápia tachou de “doutrina
satânica” e “fábrica de loucos”, respectivamente, ultrapassou a previsão
maldosa dos seus detratores. Convenhamos que muitos homens ilustres, como
religiosos honestos e pesquisadores conscientes estudaram-no e investigaram-no
experimentalmente, à saciedade, concluindo pela legitimidade dos fatos
observados e pela excelência dos seus postulados. Todos quantos o combatem
jamais o estudaram ou conheceram suas múltiplas facetas, quer no campo
científico, filosófico ou religioso. Guerreiam-no pela empáfia de que se
revestem e pela preguiça de se atualizarem. São os tradicionais inimigos do
progresso, das idéias novas... Fazem-no como você hoje e eu ontem, mal
informados, que nos fechamos e abjuramos o que desconhecemos, apertados na
constrição das vaidades feridas... Todavia, esta é uma discussão ético
filosófica de largo porte, que não se coaduna com a premência de tempo, do
momento. Fornecer-lhes-ei literatura especializada sobre o assunto,
especialmente a que responde pelas suas bases doutrinárias: Kardec, Denis,
Bozzanno...”
Sorriu, descarregando a ligeira
tensão que sobrepairava no ambiente.
- O importante — deu curso às
elucidações — é que, através da mediunidade do nosso caro colega de farda, o
Giórgio recobrou a saúde.
— E não seria o tratamento — solícitou
esclarecimentos o Coronel - Santamaria — a que ele estava sendo submetido, a
causa da recuperação da sua saúde?
— Sim, não poderia sê-lo? — Também
indagou dona Margarida.
— Poderia ter sido — explicou. — A
princípio, quedei-me em dúvida, no primeiro instante... Nossa família jamais se
envolvera antes com qualquer prática mediúnica, qual ocorre com vocês, todavia,
Giórgio e Ester... o que atesta que não é o Espiritismo a causa da loucura,
antes...
— Não digo que seja a causa —
argumentou — mas uma causa.
— Bem, como outro fator qualquer de
ordem social, emocional, comunitária, religiosa, além daqueles de procedência
orgânica... Porém, como as causas estão presentes em quase todos os
cometimentos, na condição de fatores predisponentes uns, preponderantes outros,
ninguém se atreve a acusá-los, como fazem em relação ao Espiritismo, não é
mesmo?
— Tem razão...
— O nosso afeiçoado Joel — prosseguiu —
em contato com os Espíritos que o assistem e amparam, no ministério da caridade
a que se afervora, dedicado, soube que a loucura do Giórgio tinha procedência
numa obsessão de natureza espiritual, graças a razões pregressas do seu e dos
nossos Espíritos... Explicou-nos o mecanismo da justiça divina, através da
reencarnação, de forma lógica e irrefutável, propondo-se levar-nos a participar
de algumas sessões mediúnicas especializadas, onde a venda nos caiu dos olhos,
ensejando-nos sublime “estrada de Damasco”. Desde o primeiro tentame, a melhora
do filho fez-se imediata... Passamos a ser espiritualmente informados do quanto
com ele ocorria, até o momento do encontro com o seu perseguidor, que nos
sensibilizou mediante a narração dos seus padecimentos.
Não foi fácil. Nada é fácil. Todo e
qualquer empreendimento é sempre complexo, mesmo quando conhecido pela sua
simplicidade, particularmente aquele que diz respeito à vida, à alma
reencarnada...
Na interrupção que se fizera natural,
podia-se sentir o concentrado interesse dos convidados, ouvindo religiosa,
comovidamente. Mãos e mentes vigorosas aplicavam passes nos circunstantes,
dilatando o entendimento, a percepção dos neófitos na palpitante questão,
libertando-os, também, dos fluídos e miasmas perniciosos que os envenenavam,
turbando-lhes o discernimento.
— Duas, três semanas transcorridas —
ratificou, — nosso filho estava curado, voltava ao lar, tranqüilo e diligente
quanto antes, assim prosseguindo até hoje.
“Ora, desejávamos a sua e a permissão
da Margarida para examinarmos mediunicamente o problema de Ester. Depois de
amanhã é dia de sessão na Sociedade que freqüentamos e a oportunidade
parece-nos lisonjeira. Em processos que tais, o tempo é muito importante, a fim
de evitar-se que surjam difíceis condicionamentos no paciente, molestas e complicadas
lesões... Dar-lhes-emos notícias detalhadas e concertaremos atitudes,
programas.”
— Concordo, de minha parte, —
apressou-se a senhora —sem pestanejar.
— Até há pouco — acrescentou o Coronel
Santamaria — preteria-a louca a metida com essas... Diante da sua argumentação,
da confiança que nos identifica, não há como discordar, embora o estranho que
tudo isso me parece...
— É perfeitamente lógico e você não
poderia ter outra reação.
O Tenente-Coronel tudo escutava em
silêncio, com modéstia surpreendente.
— O senhor está viúvo há pouco —
indagou-lhe o visitante —e parece-me tranqüilo, confortado. A morte é-me tão
desagradável para não dizer cruel, O senhor, sendo jovem, não se rebelou?
— Não. — Redargüiu o médium com
simplicidade. — Minha Isabel, como eu, militava nas hostes espíritas...
Sinto-lhe a falta física no lar, não a ausência total, porqüanto, estando viva,
comunicamo-nos vez que outra. Inteirado e consciente da imortalidade,
preparo-me para o encontro definitivo, mais tarde.
Como não há morte, a problemática se
constitui apenas de tempo e fé. O tempo reunir-nos-á e a fé ajudar-nos-á
vencê-lo.
— Que bela Doutrina! — Exclamou dona
Margarida. — Como se pode ter um conceito desse, ante o terrível flagelo da
morte?
- Pela certeza — disse a senhora Mercedes
— incondicional da sobrevivência. Nós que somos mães, não conseguimos sustentar
a esperança quando falecem todos os recursos, graças ao amor? O mesmo amor que
não desaparece nem se desarticula, ante a injunção da orgânica, é a fonte
geradora dessa tranqüilidade adquirida mediante os fatos do intercâmbio
espiritual de todo dia.
- Gostaríamos, já que estamos
concordes — propôs o Coronel Sobreira, — que orássemos, realizando a primeira
rogativa em prol de Ester, mediante a terapêutica espírita.
Como todos aquiescessem, o anfitrião
desatou superior emotividade e orou de forma surpreendente, em perfeita
sintonia com as Entidades presentes.
Concluída a prece, um silêncio se
abateu sobre o grupo e Joel, com o semblante visivelmente transfigurado,
transmitiu significativa mensagem de conforto e esperança, ante a natural
arguta curiosidade dos Santamarias.
A oportunidade fora excepcional.
Às despedidas, reconhecidos, os pais
de Ester com raciocínios variados, partiram, aguardando o futuro, enquanto a
escumilha da noite piscava estrelas, no alto, a distância...
QUESTÕES PARA ESTUDO
1 – De que modo a história de vida do Coronel Epaminondas
se relacionava com a dos Santamaria?
2 – Quem era do Tenente-Coronel Joel e como ele ajudou a
família de Coronel Epaminondas?
3 – “— Até há pouco — acrescentou o Coronel Santamaria —
preteria-a louca a metida com essas...” Essa expressão ainda é muito comum
diante da possibilidade de início de tratamento espiritual. Como contornar tal
situação?
Bom estudo a todos!!
Equipe Manoel Philomeno
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