domingo, 2 de abril de 2017

A religiosidade chega às universidades

A religiosidade chega às universidades

março/2017 - Por Edson G. Tristão

A doença e a dor têm caminhado juntas com o ser humano, desde seu aparecimento na Terra. Medicina e religiosidade foram as estruturas com as quais ele pôde contar para fazer frente a esse desafio. Entendia-se que a doença e a dor eram causadas por ação dos deuses e gênios do Universo, como forma de castigar os seres humanos. Assim foi com povos antigos como os mesopotâmicos, egípcios, hebreus, persas, chineses e hindus.
A medicina embrionária tentava tratar as doenças e o religioso aparecia como o fio salvador, pois facultava a intercessão feita por essas pessoas especiais, que conseguiam acalmar a ira dos seres poderosos, contribuindo assim para a cura.
Durante a Idade Média, as instituições religiosas dominaram o conhecimento científico reunindo, sob sua tutela, a ciência e a crença.
Posteriormente, separaram-se de forma traumática e o distanciamento, que parecia definitivo, deu lugar, nos dias de hoje, a uma reaproximação de forma surpreendente, lenta, e alvissareira. Diante dos trabalhos científicos que se têm publicado, na literatura mundial a esse respeito, pergunta-se: Poderia o médico sugerir ou mesmo indicar para o paciente, a religiosidade/espiritualidade como tratamento coadjuvante para as doenças?
O conceito de saúde vem sendo ampliado, à medida que evolui a razão humana na análise da vida. O completo bem-estar físico, mental e social, de 1980, defendido pela Organização Mundial de Saúde – OMS, abre espaço para propostas amplas como a de Fleck et al.,1: um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social. O foco exclusivo da doença, que sempre dominou a pesquisa na área da saúde, vem cedendo espaço ao estudo das características adaptativas, como resiliência, esperança, sabedoria, criatividade, coragem e espiritualidade.
Essa reviravolta em relação à saúde e à doença se deve ao fato de que, apesar do grande avanço tecnológico e científico da ciência médica nos últimos anos, o ser humano continua sofrendo, insatisfeito e necessitado. Assim que se consegue a cura ou controle de determinada doença, imediatamente outra materializa-se na vida diária. Com base nesses fatos, torna-se urgente o resgate da realidade da alma, com seus sentimentos e emoções, para o tratamento da pessoa doente, para que se possa atendê-la de forma individualizada, numa visão de totalidade.
Como realizar esse tipo de atendimento, se as faculdades de medicina não incluíram no currículo essa parte importante da formação do médico? Profissionais de saúde precisam entender primeiramente a sua espiritualidade para depois poder ajudar o paciente. Na antiga Grécia, podia-se ler, na entrada do Oráculo de Delfos, a célebre frase atribuída a um sábio: Conhece-te a ti mesmo. Ela continua sendo uma verdade atual.
A religiosidade desperta o ser humano para o sagrado e a transcendência. É uma conquista subjetiva de cada ser, que poderá ou não estar ligada a uma corrente religiosa. Sua influência na saúde é que precisa ser avaliada pelas faculdades de medicina, a fim de verificar se é possível sua inclusão na prática clínica dos futuros médicos.
Desde 1994, algumas faculdades americanas incluíram o componente de espiritualidade/religiosidade no seu ensino médico. Hoje, 90%  das cento e vinte e seis escolas médicas daquele país oferecem cursos de religiosidade aos seus alunos, enquanto no Reino Unido elas são 59%, o que demonstra a relevância do tema.2
No Brasil, iniciativas pioneiras, nesta área, estão presentes na Universidade Federal do Ceará e de Minas Gerais.  Entre oitenta e seis escolas médicas que participaram de uma pesquisa nacional, quatro (4,6%) relataram a realização de um curso obrigatório de Espiritualidade/Religiosidade, cinco (5,8%) tiveram um curso eletivo e nove (10,4%) tiveram cursos específicos dedicados ao tema.3 Essas atividades oferecem oportunidade para que o futuro médico tenha uma iniciação sobre as principais tradições religiosas a fim de que possa entender o comportamento da pessoa doente, nos momentos de fragilidade e crise que ocorrem nos momentos de doenças.
A prática da religiosidade, no entanto, não deve ser reduzida a mais uma terapia que o médico possa prescrever como se estivesse receitando antibiótico para um processo infeccioso. Ela deve funcionar como um complemento nas ações que visam investigar a etiologia e o tratamento das doenças. Essas implicações entre saúde e religiosidade vêm sendo cientificamente avaliadas em centenas de artigos científicos, muitos deles publicados em revistas de alto impacto.
Guimarães e Avezum4, em revisão no banco de dados do Medline, usando as palavras chave religiosidade e saúde, encontraram cerca de 35.828 publicações entre 1982 e 2007. Quando mudaram para espiritualidade e saúde encontraram 4.434 artigos no mesmo período. Da mesma forma, Koenig5 relatou um número crescente nas publicações de trabalhos originais em Religiosidade e Espiritualidade, sendo que, apenas na última década (2000-2010), foram publicados mais artigos que o somatório de todos até então publicados antes desse período.
A maioria dos estudos relata uma influência positiva da religiosidade na saúde, especialmente na mental, como maior bem-estar psicológico (felicidade em viver, afeto positivo, menor índice de depressão e de pensamentos suicidas, delinquência e dependência química, melhorando os indicadores de saúde física e mental)6.
Stroppa e Moreira-Almeida7, ao avaliarem o item religiosidade e saúde mental, revisaram cem estudos publicados, encontrando em setenta e nove deles uma correlação positiva para melhor autoestima, satisfação com a vida, felicidade entre outros.
Demonstrou-se também, nesses trabalhos, que as pessoas que cultivam religiosidade, vivem até sete anos a mais, quando comparadas com aqueles que não professam nenhum tipo de religião. Esse efeito é tão forte (18 a 25%) quanto ao das ações de saúde dirigidas para esta área. Outros estudos chamam a atenção para doenças como hipertensão arterial, síndromes demenciais e acidentes vasculares encefálicos, infartos do miocárdio, que também tiveram resultados favoráveis com a prática da religiosidade/espiritualidade8.
A religiosidade pode prejudicar a saúde?  As pesquisas alertam que nem sempre a religiosidade faz bem à saúde. As diretrizes de algumas religiões e a forma de como são exercidas pelos seus seguidores podem interferir negativamente no tratamento médico piorando o estado do paciente. Pode encorajar pensamentos mágicos de cura. Caso não seja curado imediatamente, o paciente pode revoltar-se e entender a doença como uma punição Divina. Outras vezes, a pessoa doente tenta usar práticas religiosas como tratamento médico, deixando de buscar cuidados preventivos ou curativos efetivos, causando sérios prejuízos para sua saúde.
Por qual mecanismo a religiosidade pode influenciar na saúde? Provavelmente a mudança do estilo de vida. Desenvolvendo hábitos mais saudáveis, distanciamento das bebidas, drogas e tabagismo, além do fortalecimento das vivências familiares, aproximando-se as gerações no convívio diário. O suporte social também é importante, desde que o indivíduo passa a não se sentir mais só. Ao estar ligado a uma comunidade religiosa, ele se sente reconhecido em sua identidade, aceito e, através dessa convivência, recebe os estímulos necessários na busca de um objetivo para sua existência. Previne, dessa forma, as ideias suicidas, estresse e depressão, entre outras.
A doutrina espírita tem muito a colaborar nessa relação saúde e espiritualidade. Recomenda o uso da fé raciocinada, junto com a razão no enfrentamento de todos os desafios do adoecimento. Encara as doenças do corpo físico como desequilíbrios da alma, recomendando o seu tratamento pelo desenvolvimeneto da espiritualidade. Ensina, também, que a doença não é castigo Divino e sim consequência do uso equivocado do livre-arbítrio do ser humano em sua luta evolutiva. Nesses casos, o convite para a reflexão e o autoconhecimento são medicamentos recomendados. Ensina também que todos têm um projeto de vida em cada renascimento e abreviar esse período pelo comprometimento físico e mental através do vício, maledicências, alcoolismo, drogas, bebidas, ódio, violência, faz dele um suicida inconsciente, com sérias repercussões físicas no futuro corpo.
A resposta para indagações como de onde viemos, o que estamos fazendo na Terra e para onde vamos após a morte, nos faz buscar a espiritualidade.9 A ideia da transcendência nos leva à existência do Criador, podendo ser explicada também a função de escola/oficina/hospital que tem o planeta, que nos acolhe para nos permitir a evolução.
A comprovação definitiva dos efeitos benéficos da religiosidade na saúde do ser humano poderá, em futuro próximo, permitir a incorporação dessas ações na pratica clínica. A Doutrina Espírita, através da ampliação do olhar humano sobre o corpo físico e o Espírito imortal tem muito a colaborar para a incorporação desse novo paradigma da saúde.
 
Bibliografia:
1- FLECK, MPA, e Colaboradores. Revista Brasileira de Psiquiatria. 1999, 21(1): 19-28.
2-  BANIN, LB, e Colaboradores Revista Clin Tech Research. 2013, 10(1): 38.
3-  LUCCHETTI, G, e Colaboradores. Revista BioMedCentral- BMC Medical Education. 2013, 13.
4- GUIMARÃES HP; AVEZUM, A. Revista de Psiquiatria Clinica. 2007, 34(suppl 1): 88-94.
5- KOENIG, HG. Espiritualidade no Cuidado com Paciente. São Paulo: Ed. FE, 2005.
6- MOREIRA-ALMEIDA, A, Neto FL; KOENING HG. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2006, 28(3): 242-50.
7- MOREIRA-ALMEIDA, A; STROPPA, A. Revista do Departamento de Psiquiatria. 2012, 2:34-41.
8- GONÇALVES, JP e Colaboradores. Phsycologia Medica. 2015, 45(14): 2937–2949.
9- KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 72. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1992.
 
Fonte: jornal Mundo Espírita

Nenhum comentário:

Postar um comentário