domingo, 15 de fevereiro de 2009

Biografias: Amélie-Gabrielle Boudet


Madame Rivail (Sra. Allan Kardec) nasceu em Thiais, cidade do menor e mais populoso Departamento francês – o Sena, em 23 de Novembro de 1795.

Filha de Julien-Louis Boudet, proprietário e antigo tabelião, homem portanto bem colocado na vida, e de Julie-Louise Seigneat de Lacombe, recebeu, na pia batismal o nome de Amélie-Gabrielle Boudet.

Vivendo em Paris, no mundo das letras e do ensino, quis o destino que um dia a Srta. Amélie Boudet deparasse com o Professor Hippolyte Denizard Rivail.

Em 6 de Fevereiro de 1832, firmava-se o contrato de casamento. Amélie Boudet, tinha nove anos mais que o Prof. Rivail, mas tal era a sua jovialidade física e espiritual, que a olhos vistos aparentava a mesma idade do marido. Jamais essa diferença constituiu entrave à felicidade de ambos.

Madame Rivail associou-se ao esposo na afanosa tarefa educacional que ele vinha desempenhando no referido Instituto havia mais de um lustro. Kardec tinha em grande consideração as opiniões de sua esposa.

A ambos, porém, estava reservada uma missão, grandiosa pela sua importância universal, mas plena de exaustivos trabalhos e dolorosos espinhos.

O primeiro toque de chamada verificou-se em 1854, quando o Prof. Rivail foi atraído para os curiosos fenômenos das “mesas girantes”, então em voga no Mundo todo. Acompanhando o esposo nessas investigações, era de se ver a alegria emotiva com que ela tomava conhecimento dos fatos que descerravam para a Humanidade novos horizontes de felicidade. Após observações e experiências inúmeras, o professor Rivail pôs mãos à maravilhosa obra da Codificação, e é ainda de sua cara consorte, então com 60 anos, que ele recebe todo o apoio moral nesse cometimento. Tornou-se ela verdadeira secretária do esposo, secundando-o nos novos e bem mais árduos trabalhos que agora lhe tomavam todo o tempo, estimulando-o, incentivando-o no cumprimento de sua missão.

Lançado O Livro dos Espíritos, da lavra de Allan Kardec, pseudônimo que tomou o Prof. Rivail, este, meses depois, a 1o. de Janeiro de 1858, com o apoio tão somente de sua esposa, deu a lume o primeiro número da “Revue Spirite”, periódico que alcançou mais de um século de existência grandemente benéfica ao Espiritismo.

Havia cerca de seis meses que na residência do casal Rivail, então situada à Rua dos Mártires n. 8, se efetuavam sessões bastante concorridas, exigindo da parte de Madame Rivail uma série de cuidados e atenções, que por vezes a deixavam extenuada. O local chegou a se tornar apertado para o elevado número de pessoas que ali compareciam, de sorte que em Abril de 1858 Allan Kardec fundava, fora do seu lar, a “Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas”.

Uma série de viagens ( em 1860, 1861, 1862, 1864, etc, ) realizou Kardec, percorrendo mais de vinte cidades francesas, além de várias outras da Suíça e da Bélgica, em todas semeando as idéias espíritas. Sua veneranda consorte, sempre que suas forças lhe permitiam, acompanhou-o em muitas dessas viagens, cujas despesas, cumpre informar, corriam por conta do próprio casal.

Aos 31 de Março de 1869, com 65 anos de idade, desencarnava, subitamente, Allan Kardec, quando ultimava os preparativos para a mudança de residência. Foi uma perda irreparável para o mundo espiritista, lançando em consternação a todos quantos o amaram. Madame Allan

Kardec, que partilhara com admirável resignação as desilusões e os infortúnios do esposo, agora, com os cabelos nevados pelos seus 74 anos de existência e a alma sublimada pelos ensinos dos Espíritos do Senhor, suportaria qualquer realidade mais dura. Ante a partida do querido companheiro para a Espiritualidade, portou-se como verdadeira espírita, cheia de fé e estoicismo, conquanto, como é natural, abalada no profundo do ser.

Cerca de dois meses após o decesso do excelso missionário de Lyon, sua esposa, no desejo louvável de contribuir para a realização dos planos futuros que ele tivera em mente, e de cujas obras, revista e Livraria passou a ser a única proprietária legal, houve por bem, no interesse da Doutrina, conceder todos os anos certa verba para uma “Caixa Geral do Espiritismo”, cujos fundos seriam aplicados na aquisição de propriedades, a fim de que pudessem ser remediadas quaisquer eventualidades futuras.

Apesar de sua avançada idade, Madame Allan Kardec demonstrava um espírito de trabalho fora do comum, fazendo questão de tudo gerir pessoalmente, cuidando de assuntos diversos, que demandariam várias cabeças. Além de comparecer às reuniões, para as quais era convidada, todos os anos presidia à belíssima sessão em que se comemorava o Dia dos Mortos, e na qual, após vários oradores mostrarem o que em verdade significa a morte à luz do Espiritismo, expressivas comunicações de Espíritos Superiores eram recebidas por diversos médiuns.

Esforçando-se por concretizar os planos expostos por Allan Kardec em “Revue Spirite” de 1868, ela conseguiu, depois de cuidadosos estudos feitos conjuntamente com alguns dos velhos discípulos de Kardec, fundar a “Sociedade Anônima do Espiritismo”. Destinada à vulgarização do Espiritismo por todos os meios permitidos pelas leis, a referida sociedade tinha, contudo, como fito principal, a continuação da “Revue Spirite”, a publicação das obras de Kardec e bem assim de todos os livros que tratassem do Espiritismo.

Estafantes eram os afazeres dessa admirável mulher, cuja idade já lhe exigia repouso físico e sossego de espírito. Bem cedo, entretanto, os Céus a socorreram. O Sr. P. G. Leymarie, um dos mais fervorosos discípulos de Kardec desde 1858, médium, homem honesto e trabalhador incansável, assumiu em 1871 a gerência da Revue Spirite e da Livraria, e logo depois, com a renúncia dos companheiros de administração da sociedade anônima, sozinho tomou sob os ombros os pesados encargos da direção. Daí por diante, foi ele o braço direito de Madame Allan Kardec, sempre acatando com respeito às instruções emanadas da venerável anciã, permitindo que ela terminasse seus dias em paz e confiante no progresso contínuo do Espiritismo.

Parecendo muito comercial, aos olhos de alguns espíritas puritanos, o título dado à Sociedade, Madame Allan Kardec, que também nunca simpatizara com esse título, mas que o aceitara por causa de certas conveniências, resolveu, na assembléia geral de 18 de Outubro de 1873, dar-lhe novo nome: “Sociedade para a Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec”, satisfazendo com isso a gregos e troianos.

Muito ainda fez essa extraordinária mulher a prol do Espiritismo e de todos quantos lhe pediam um conselho ou uma palavra de consolo, até que em 21 de Janeiro de 1883, às 5 horas da madrugada, docemente, com rara lucidez der espírito, com aquele mesmo gracioso e meigo sorriso que sempre lhe brincava nos lábios, desatou-se dos últimos laços que a prendiam à matéria. Contam os que a conheceram, ainda lia sem precisar de óculos e escrevia ao mesmo tempo corretamente e com letra firme.

Gaby, como a chamava Allan Kardec na intimidade, era uma mulher delicada, mas extremamente forte. Professora de artes e excelente miniaturista, tinha vigorosa cultura geral, e foi o apoio para Kardec nas grandes lutas enfrentadas contra o poder das ciências e do clero católico e protestante. Ela acompanhava o esposo nas suas viagens para visitar os grupos espíritas que se formavam nas cidades da França e do estrangeiro. Tanto é, que Leon Denis, ainda muito jovem, guardou na memória, um quadro bucólico, quando da visita de Kardec e Gabi em Tours, o carinhoso gesto de Allan Kardec subindo a uma cadeira para cortar um cacho de uva e oferecê-lo gentilmente à esposa.

Contudo, ela enfrentou a tempestade de um processo contra a Revista Espírita, devido Pierre Gaetan Leymarie ter acolhido o trabalho de um fotógrafo, que dizia produzir fotografias transcendentais, ou seja, ao fotografar uma pessoa, parentes e amigos, desencarnados, do fotografado, apareciam na foto. O fotógrafo fez um acordo com o juiz, assinou uma confissão de fraude, escapando assim da prisão. Leymarie, foi condenado e cumpriu um ano de prisão na Penitenciária de Paris. Intimada como testemunha, Amélie foi desrespeitada pelo juiz, aviltando a memória de Allan Kardec, o que provocou viva reação da viúva do Codificador, exigindo respeito à memória de seu esposo. Certamente o juiz já havia decidido pela condenação.

A nota mais tocante daquelas homenagens póstumas foi dada pelo Sr. Lecoq. Leu ele, para alegria de todos, bela comunicação mediúnica de Antônio de Pádua, recebida em 22 de Janeiro, na qual esse iluminado Espírito descrevia a brilhante recepção com que elevados Amigos do Espaço, juntamente com Allan Kardec, acolheram aquele ser bem aventurado.
Não deixando herdeiros diretos, pois que não teve filhos, por testamento fez ela sua legatária universal a “Sociedade para Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec”. Embora uma parenta sua, já bem idosa, e os filhos desta intentassem anular essas disposições testamentárias, alegando que ela não estava em perfeito juízo, nada, entretanto, conseguiram, pois as provas em contrário foram esmagadoras.

Em 26 de Janeiro de 1883, o conceituado médium parisiense Sr. E. Cordurié recebia espontaneamente uma mensagem assinada pelo Espírito de Madame Allan Kardec, logo seguida de outra, da autoria de seu esposo. Singelas na forma, belas nos conceitos, tinham ainda um sopro de imortalidade e comprovavam que a vida continua...

*

Nenhum comentário:

Postar um comentário